terça-feira, 27 de março de 2012

Renascer

              Hoje eu vi um vestido 'tipo' renascença e fiquei lembrando dessa renda que nasce na terrinha do meu pai. Quando eu era pequena minha tia Penha tentou me ensinar, mas logo vi que não se aprende um ofício desses num fim de semana. Eu fui metida, porque sabia uma laminha de tricôt. Mas o que?  
              Tia Penha no auge dos seus 80 sambava na cara da humildade. Tinha mãos fininhas, delicadas e calejadas de tanto trabalho. Ela me dizia que trabalhava para a fábrica, vendia as coisas baratinhas em troco do reconhecimento de uma boa rendeira. Eu tinha pensamentos marxistas à época e não entendia porque o mundo funcionava desse jeito. Por que havia uma fábrica, um dono e tanta gente humilde calejando os dedos em troco de 70 centavos por peça produzida?
             Meu pai, na sua infinita sabedoria, explicou que para esse dono ser dono ele calejou tanto ou mais suas mãos, que ele conhecia a história; que não era todo mundo que nascia esnobando. Nessa hora, aos 14, 15 anos de idade eu fui aprendendo a relativizar as coisas. Escutei a historinha que ele tinha pra me contar desse senhor, fiquei meio boba, admirando a determinação dos adultos.
            Me voltei os olhos para tia Penha e deixei de ver nas mãos cansadas a tristeza, passei a ver como determinação de um modo distinto. Afinal, ninguém tem o mesmo objetivo na vida, o de tia era fazer a rendinha dela, lembrar do amor Chatô, cuidar de olhar o leite fervendo com o orgulho de quem nunca derramou uma gota do fogão, dar conselhos às sobrinhas netas: "Não imagine (pense) não minha filha, que quem imagina não casa"... Até hoje penso que sempre 'imaginei' demais kkkk por isso minhas amigas casaram e eu não kkkkk. E tinha também o orgulho de nunca ter tomado nada gelado: "Nunca experimentei essa tal de pedra de gelo  na minha vida todinha!".
           Penso hoje que o objetivo do dono da fábrica podia ser o de ascender, ter uma família quem sabe, ajudar os outros com a produtividade dele. Nunca se sabe...nem o conheço, mas como achava naquela época 'deveria conhecer' para me desligar de alguns preconceitos que tinha/tenho, não é verdade?
           O que sei é que tia Penha não via a vida como eu via naquela época. Para ela a graça da vida era sorrir, levar um ventinho na porta e receber a família de outra cidade com um olhar alegre e largo. Lembro que voltei pra Campina Grande achando que tinha feito a melhor amiga: minha tia de mais de 80 anos. Num único fim de semana, através do bordado na almofada ela me ensinou valores que se entranharam em mim. Não vou esquecer de como Chatô, o amor que ela levou para toda a vida, chegou em sua casa e ela já sabia que o amaria eternamente. Bom saber que esses amores de verdade existem e foram bem vividos! Também não esquecerei que posso ficar velhinha e meiga praticando a gentileza e sendo delicada com as pessoas (tá eu sei que sou bruta, mas sei ser amável também). Do que lembrarei eternamente é que assim como esse tipo de renda: renascença, minha tia renasce em mim quando penso na vida. Ela e sua larga sabedoria de quem imaginou!

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